quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

2013 "O Brasil descobre as narcotelenovelas: “La reina del sur”… traficante muy famosa"

O Brasil descobre as narcotelenovelas: “La reina del sur”… traficante muy famosa







14 de março de 2013
Narcotelenovelas? Já ouviu falar disso? Diante do sucesso na América Latina de “La Reina del Sur”, nosso colunista Reinaldo Maximiano assistiu a novela e agora escreve sobre um gênero pouco explorado no Brasil, mas que tem muito êxito nos países hispânicos: as novelas que tratam do mundo do narcotráfico.
Culiacán – México. Em primeiro plano, as mãos de uma mulher depositam sobre a bancada da banheira uma garrafa de tequila, adornada pelo desenho da folha de maconha, e um copo; à direita, um pequeno abajur cuja base é um cupido com a flecha arqueada. Em plano-seqüência, a mulher liga o aparelho de som e o espaço é tomado pela música Mariachi: “Podemos ser felices…”. Ela caminha e coloca um baseado sobre o cinzeiro verde esmeralda, perto dele dois leões brancos de cerâmica asiática. A mulher se inclina para abrir a torneira, a água jorra e com o pé direito ela testa a temperatura do banho e nele mergulha. A câmera abre e vemos Teresa Mendoza desfrutando do relaxamento de um banho de sais e se servindo de uma dose de tequila. No momento em que ela vai acender o baseado, o celular toca.
No quarto, ela se conscientiza que o celular que toca não é o seu aparelho pessoal, mas um aparelho secreto guardado em uma gaveta da penteadeira. Sobre o móvel, o porta-retrato ostenta um momento de felicidade do casal Teresa e Güero, neste instante o flashback e a voz de Güero ecoa: “Se um dia esse celular tocar é porque estou morto. Então, corra, minha moreninha, não vou estar aqui para ajudá-la”. Ela atende o celular e, do outro lado da linha, um homem, numa mata onde caiu um avião monomotor: “Mataram Güero, Teresa”! “Mataram seu marido. Corra o mais que puder, porque vão atrás de você. Corra, Teresa, corra e não pare de correr!”. E, assim, ela o faz. E, assim, será durante 13 anos.
Esta é a descrição da sequência que abre a novela “La reina del sur”, uma co-produção Estados Unidos (NBC Telemundo Network), Espanha (Antena 3) e Colômbia (Producciones RTI), livremente inspirada no romance “A rainha do sul”, do escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte. Publicado em 2002, o livro vendeu mais de um milhão de exemplares no México e na Espanha. No Brasil, o livro foi lançado em 2004 pela editora Companhia das Letras. A história: Teresa Mendoza (Kate del Castillo), uma jovem do estado de Sinaloa (México), uma região eminentemente, agrária, sobrevive a um atentado que vitima o marido “El Güero” (Rafael Amaya), a irmã e o cunhado. Ela foge para o sul da Espanha com a ajuda de Epifanio Vargas (Humberto Zurita), o líder do cartel mexicano. Teresa desconhece o fato de que Vargas mandou matar Güero, e a jovem acaba por negociar com ele o valioso livro de negócios do marido morto, para pode fugir do país. Em Melilla, cidade espanhola na costa norte africana, ela se torna, ao longo de 13 anos, a mais poderosa traficante de drogas do Estreito de Gibraltar (fronteira entre o Atlântico e o Mediterrâneo).
comprando y vendiendo droga… para los dos continentes
O orçamento da produção foi de dez milhões de dólares, o que faz de “La Reina del Sur”, a novela mais cara já produzida pela Telemundo. Desde a estreia em fevereiro de 2011, foi o programa de maior audiência do canal, até o seu último capítulo (o de número 63) a marca era de 4,2 milhões de espectadores, segundo a Telemundo, algo sem precedentes. O sucesso foi tanto que a Fox TV Studios, hoje, tem planos de produzir uma versão em língua inglesa, “mais sombria e violenta”, conforme declarou o presidente da rede, David Madden. O plano é de exibir a série em um desses três canais: Showtime, Fox ou ABC. Nos Estados Unidos, a novela dominou o horário enfrentando a concorrência das redes de TV cuja grade de programação está em língua inglesa. “La Reina del Sur” foi exibida na Sérvia, na Romênia, na Colômbia, no Chile, na Nicarágua, na Costa Rica e no México.
No Brasil, a novela está disponível para ser vista on line pelo Netflix e tem conquistado fãs nas redes sociais, embora o público brasileiro ainda desconheça e esteja pouco empolgado com esse serviço de vídeos sob demanda para o PC, smartphone, tablet, videogame e outros dispositivos. Em entrevista para o portal G1, em agosto de 2012, o presidente da Netflix, Reed Hastings, afirmou: “Os brasileiros ainda não entenderam como o serviço de vídeos funciona. Para a maioria das pessoas no mundo, a TV pela internet é uma coisa estranha. É uma ideia nova. Mas, por ser algo novo, as pessoas estão testando o Netflix e fazendo um ‘boca-a-boca’, o que tem sido muito bom para nós”.
É, justamente, esse ‘boca-a-boca’ que tem feito circular a fama da novela pela internet aqui no Brasil, desde o ano passado. No Facebook, há um grupo apenas para discutir a novela, compartilhar notícias, músicas executadas na trama e imagens da atriz mexicana Kate del Castillo.  Eu conheci a novela por intermédio de um grupo de amigos, uma, em especial, é documentarista e registrou no México alguns costumes que ela reconhecia na novela, como o culto à Santa Morte, a mistura de referências de diversas culturas e a presença indígena. Outro elemento forte que observei foi o culto e as reverências feitas aos santos do narcotráfico, os “Tíos”, como Jesús Malverde, o “bandido bom”, por exemplo, santo de devoção de Teresa Mendoza.
“es una tia muy pesada”
Eu devorei os 63 capítulos da novela em três semanas, entre novembro e dezembro de 2012, e afirmo sem medo de exagerar: essa novela é a produção mais radical em termos de folhetim televisivo, nos últimos 20 anos. “La reina del sur”, mesmo partindo de um modelo clássico de telenovela, que posiciona de forma bem demarcada bandidos e mocinhos, ainda executado no México e no Brasil, tensiona esse modelo conservador e transgride o padrão de representação da mulher e dos códigos sociais e morais nas telenovelas. A sensação é a de que tudo perde ou se rende frente à estrutura de ação e melodrama da novela, inclusive“Avenida Brasil” (João Emanuel Carneiro, 2012) que vem a ser o produto nacional que mais se aproxima da produção da Telemundo.
No período em que assisti a “La reina del sur”, aqui no Brasil testemunhávamos o período de maior crise da audiência da novela “Salve Jorge”, de Glória Perez. Na verdade, creio, uma crise do modelo de construção da novela. Eu tive, então, a oportunidade de comparar as duas tramas e apesar do aparato tecnológico da representante brasileira ser superior, “Salve Jorge” perde em termos de concepção e desenvolvimento da trama porque o percurso da personagem Morena (Nanda Costa) é desenhado na vitimização, ou seja, a personagem não é senhora do seu destino, como ocorre com Teresa. A impressão é de que a história da Rapunzel à espera do príncipe salvador, não cola, porque a mulher contemporânea é outra e bem diferente de três décadas atrás.
Teresa Mendoza foge de um inimigo incerto, ela só tem duas certezas: de que precisa correr para viver e a de que carrega uma maldição, todas as pessoas que ela ama morrem (E morrem mesmo! Daí o cupido da cena inicial, ela busca o amor, mas não pode render-se a ele!). Mas ela não se martiriza, engole isso com tequila e segue seu caminho rumo à sobrevivência. Se depara com o tráfico internacional de mulheres, se prostitui para se livrar da cadeia, em Melilla, e se vale dos mesmos códigos morais dos artífices do narcotráfico e os usa contra os detratores que ela vai colecionando em sua jornada como heroína: mente, engana, rouba e mata. Faz amigos no mundo do tráfico e tem pelos russos um enorme respeito: “Os russos honram a palavra, são muito corretos nos negócios”.
Já Morena tentou a sorte na Turquia, foi enganada e aliciada por uma quadrilha de tráfico de mulheres e tenta, por diversas vezes fugir, mas diferente de Teresa, ela não se vale dos mesmos códigos morais dos bandidos, o “em Roma, faça como os romanos”. Uma postura que no folhetim se revela conservadora e moralista, pois tenta sempre afirmar que Morena é honesta e, mesmo que ela se prostitua, ela não vai se render ao crime. Quem faz o jogo dos bandidos é Rosângela (Paloma Bernardi), mas como reflexo de um caráter duvidoso e inveja com relação à Morena, um instinto de sobrevivência. Rosângela merecia ser a protagonista.
“ nacida alla en sinaloa…”
As semelhanças e diferenças não param por aí. Ambas as novelas apostam em cenas de ação, melhor construídas na produção da Telemundo. Em “La reina del sur” há uma imersão na contravenção, o que não ocorre em “Salve Jorge”.  As novelas retratam os modos de vida de Culiacán (La reina) e Morro do Alemão (Salve), mas falta à segunda uma filiação realista que incorpore no texto e na composição do DNA das personagens, não apenas as gírias e os maneirismos das populações locais, mas toda essa aura popular: a relação das pessoas com a legalidade e a ilegalidade; a fé que sincretiza referências de diferentes matrizes religiosas; a polícia enquanto instituição em que estão reunidos corruptos e honestos; os bandidos que instauram seus próprios códigos de conduta e de honra. Não vemos isso em “Salve Jorge”. Aquela peculiaridade da fé do brasileiro que o documentário “Santo Forte”, de Eduardo Coutinho, revela tão bem, esse o trânsito que o brasileiro morador das favelas (não só delas) empreende entre o catolicismo, o protestantismo, a umbanda e o candomblé, não aparece na atual novela global das nove. Nem mesmo essa associação com o orixá Ogum é mencionada. Há uma pasteurização da abordagem da fé inclusive nos adornos de cena, são todos provenientes de uma imagem católica do santo. A matriz africana passou ao largo.
Em “La reina del sur” vemos de forma bem incorporada a devoção da protagonista em Jesús Malverde, um “mártir” do narcotráfico (estaria associado no sincretismo brasileiro ao Malandro), o “anjo dos pobres” que protege aqueles que são oprimidos e aqueles que estão com problemas com a polícia. Há uma dimensão política e social na santeria mexicana e isso está claro no texto da novela. A origem da lenda de Jesús Malverde é incerta e nunca foi comprovada. Atribui-se, em registro de história oral, de que se trata de assaltante, bem ao estilo do Robin Hood, ou seja, ele roubava dos ricos para dar aos pobres, no final do século 19, em Culiacán (Sinaloa). Ainda segundo a lenda, guardas rurais teriam prendido Malverde e o enforcado em 3 de maio de 1909.
Hoje ele é conhecido como “El rey de Sinaloa” e tem por nome “Jesus”, que pela tradição cristiana, também, andou por entre os mais pobres e, de certa feita, e não teve respaldo entre os mais abastados da sociedade da época. Fato é que o Tío Malverde é um representante da ilegalidade e, obviamente, não goza de respaldo na liturgia dos santos oficiais do cristianismo. Oficialmente, há três capelas dedicadas ao Santo Jesús Malverde, a principal fica em Culiacán (Sinaloa – México); uma em Cali (Colômbia); e outra em Los Angeles (EUA). Todas essas cidades estão na rota do narcotráfico internacional.
Em outros termos, há uma sofisticação em “La reina del sur”no que concerne à criação da ambiência da narrativa, cujas personagens giram em torno do narcotráfico. Não observo isso em “Salve Jorge”, pois a trama se desenvolve, em parte, num Morro do Alemão pacificado em que os elementos de ambiência são: o funk, a laje e as ditas “periguetes”. Será que o morro é tão pacificado assim? Não há crises dentro das favelas pacificadas do Rio de Janeiro? A favela que aparece na novela tem a aparência de uma favela, mas nem precisaria ser uma, poderia ser qualquer lugar e ter qualquer outro nome, pois não se difere, em termos de estereótipos, de outros núcleos pobres das novelas da TV Globo e das demais emissoras, exceção justa para “Vidas Opostas” (Marcílio Moraes, TV Record, 2006).
A perspectiva do politicamente correto, creio, instaura um modelo de representação de um espaço social sem crises internas, pacificado. Um espaço onde a paz só é ameaçada quando as vizinhas resolvem brigar e falar desaforos em voz alta em cenas de pretensa comicidade. E mais, é um espaço social pacificado por soldados brancos do Exército Brasileiro. Reparem que as personagens no núcleo da favela são negras e mestiças, em maior número, já o núcleo das Forças Armadas é composto por personagens brancas. Não é uma questão ou um problema da autora Glória Perez, é maior que isso, envolve a forma como se faz folhetim televisivo no Brasil que, creio, esgarçou. Prova disso é a audiência das últimas novelas das 21h da TV Globo que oscilam na casa dos 30 pontos. Ainda é o programa líder de audiência, mas está estacionado nessa margem, desconfio, porque a estrutura das telenovelas brasileiras não é estimulante. Para muitos, já não era desde a década de 1970.
“teresa la mexicana”
É bom olhar para um produto televisivo que se assenta no contemporâneo sem pejo, como é o caso de “La reina del sur”, pois desperta um certo olhar para a teledramaturgia nacional, para o quanto esse formato precisa ser repensado, para o quanto é necessário experimentar outras formas de fazer. A questão com a telenovela, creio, em hipótese, não é apenas “o que é fazer telenovela brasileira?”, mas antes, “como fazer telenovela brasileira, hoje?”. Num certo sentido, o modelo de telenovela e suas respectivas representações não dialogam com o mundo contemporâneo, dialogam, sim, tecnologicamente, mas apenas isso não sustenta uma ideia, um enredo, uma ficção. Creio que o novelista mais inquieto no sentido do “como fazer” seja João Emanuel Carneiro com suas duas tramas das 21h, “A favorita” (2008) e “Avenida Brasil” (2012). E, certamente, se ele assistir “La reina del sur”, vai ficar mais inquieto ainda.
Creio que o fato de “La reina del sur” ser uma adaptação de um narco-romance (variante do gênero policial literário), ajuda na construção bem sucedida da novela, pois o livro, regular em sua redação, é todo composto por partes que se desenvolvem em espaços diferentes ao longo de 13 anos, isto é, Teresa, na corrida pela sobrevivência, mora em diferentes lugares e conhece diferentes pessoas e quando ela é forçada a se retirar de um lugar, aquele grupo de pessoas permanece ali, e volta à cena caso ela retorne. Por exemplo: 1) em Culiacán estão as personagens que giram em torno do maior inimigo de Teresa, Epifanio Vargas, é o núcleo que permanece na trama, ao longo de 13 anos; 2) em Melilla, está o núcleo da boate de mulheres traficadas, El Yamilla, que reúne personagens que convivem com Teresa quando esta se envolve amorosamente com Santiago Fisterra (Iván Sánchez), El Galego, que faz contrabando no Estreito de Gibraltar e é morto durante uma travessia por lancha na presença de Teresa que vai presa; 3) o núcleo do presídio, onde Teresa conhece a se envolve amorosamente com Patricia O’Farrell (Cristina Urgel), uma espécie de Paris Hilton que foi presa por tráfico e que revela a Teresa a existência de meia tonelada de cocaína roubada da máfia russa, é com essa droga, que as duas planejam vender de volta para a máfia russa, que começa a ascensão da Rainha do Sul. Somam-se a essas personagens, outras que vem  a ser representantes das máfias espanhola (que rivaliza com Teresa pela competição pelo Estreito de Gibraltar), grega, turca e russa.
“La reina del sur” não é a primeira narcotelenovela latina produzida, gênero desconhecido no Brasil onde as novelas raramente abordam o narcotráfico, retratam, vez por outra, o consumo de drogas. Ou seja, tem-se a impressão no Brasil que o problema é mais o consumo e não o tráfico. Mas é preciso considerar que o país sofreu até recentemente com uma censura violenta e parece que vestígios desse moralismo perduram na ficção televisiva que é feita aqui. No Brasil, a novela “O salvador da pátria” (Lauro César Muniz, 1989), por exemplo, se passava no interior de São Paulo, a fictícia Tangará que estava na rota do tráfico no cone sul, e uma série de personagens estavam envolvidos com essa atividade ilícita, dentre elas o aviador João Matos (José Wilker) que é forçado a transportar drogas.
Na Colômbia, o universo das narcotelenovelas é profícuo e anterior à “La reina del sur”, com representantes como: “El cartel” (2008 – Colômbia – Caracol TV); “El capo” (2009/2010 – Fox Telecolombia RCN Television) que já ganhou uma continuação; “Las muñecas de la mafia” (2009 – Colômbia – Caracol TV.) e “Sin tetas no hay paraíso” (2009 –  Colômbia – Telemundo Studios e RTI Colombia). Em 2010, estreou, no canal RCN, “Rosario Tijeras, amar es más difícil que matar” , outro sucesso de público que também está disponível no Netflix, mas que fica muito atrás de “La reina del sur” em termos de ação e melodrama.
Essas novelas investem num formato reduzido, elas têm entre 50 e 100 capítulos, um ritmo de narrativa inspirada nas séries policiais estadunidenses e são, em boa parte, provenientes de adaptações de narco-romances. No Brasil, apenas as novelas da TV Manchete investiam em temas como contravenção, violência e sexo de forma a compor um estilo, um modo de fazer, como é o caso de “Corpo santo”, (José Louzeiro e Cláudio MacDowell, 1987). Todas as narcotelenovelas tem forte apelo erótico e reúnem personagens que, à margem das decisões, se organizam de forma paralela ao poder oficial, no caso, se organizam no narcotráfico. E diferente do que se possa imaginar não há, em “La reina del sur” ou em “Rosario Tijeras” um glamour do submundo do crime. Pelo contrário, há sempre uma derrocada (falência ou morte), afinal, como se diz, popularmente, o crime não compensa e a carreira no crime é curta. Nas novelas, todas as personagens têm consciência disso, incluindo a própria Teresa Mendoza. Eis a voz moralizante das narcotelenovelas.
 Reynaldo Maximiano


Divulgação Telemundo / Reprodução de tela do Netflix / Imagens Jesús Malverde: capillamalverde.blogspot.com.br/ Divulgação Salve Jorge – TV Globo

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